Teses
Cartografias de um campo invisível: os anônimos jogadores do futebol brasileiro
O futebol profissional e seus efeitos na produção de subjetividades na profissão de jogador. É esta a temática que norteia a presente pesquisa que, partindo de pesquisas prévias acerca do sonho de ser jogador e da atuação da psicologia do esporte em categorias de base, objetiva compor uma cartografia da realidade do jogador que se profissionaliza, mas não ocupa as posições de maior destaque nas grandes “vitrines” do futebol nacional e internacional. São esses jogadores geralmente considerados pelos clubes, empresários e também pelo público como produtos de menor valor no mercado, porém necessários para manter o funcionamento das competições da máquina do futebol profissional que atrai torcedores e investidores enquanto circulam anonimamente pelo mercado futebolístico como coadjuvantes do futebol de espetáculo. Nesse sentido, pretende-se cartografar práticas do futebol contemporâneo, compondo com os estudos de Michel Foucault sobre o governo dos vivos, juntamente com os estudos de pesquisadores na área das ciências humanas e sociais sobre o futebol profissional. Busca-se assim compreender a governamentalidade do futebol de espetáculo; os efeitos disciplinares e de controles regulamentadores na produção de modos de vida dos jogadores de futebol profissionais anônimos; por onde estes circulam após a saída das categorias de base; as capturas, potencialidades e resistências que os mantêm na profissão e os efeitos políticosociais produzidos a partir dessa realidade
DO PRADO AO MINEIRÃO: a história dos estádios na capital inventada
Autor:
Georgino Jorge de Souza Neto
Orientador:
Silvio Ricardo da Silva
Este estudo teve por objetivo investigar o movimento e o contexto que permitiu a construção dos principais estádios de futebol na cidade de Belo Horizonte-MG, e como estes se legitimam à partir do diálogo que estabelecem com o seu entorno social, nos diversos aspectos (econômico, político, cultural, dentre outros). Para tanto, o período delimitado para a investigação abrangeu os anos de 1904 a 1965, por este abrigar o tempo em que estes estádios foram erguidos na paisagem belohorizontina. Por representar uma investigação historiográfica, o estudo fundamentou-se metodologicamente em dois aportes teóricos balizadores: a História Cultural, particularmente a noção de representação, desenvolvida por Roger Chartier, e a Micro-História, notadamente o conceito de paradigma indiciário descrito por Carlo Ginzburg. Neste sentido, as fontes de pesquisa privilegiaram os periódicos. Assim, foram utilizados jornais e revistas da época, que possibilitaram a tessitura da trama proposta. Neste sentido, os capítulos foram estruturados em recortes temporais específicos, a saber: a construção do Prado Mineiro e sua apropriação pelo futebol (1904-1923); os estádios que surgem na década de 1920 e que passam por importantes reformas na década de 1940, atrelados aos principais clubes da cidade (1923-1948); o estádio Independência, vinculado ao clube Sete de Setembro e importante espaço futebolístico, notadamente na sua relação com a Copa do Mundo de 1950 (1948-1950); e por fim, o estádio do Mineirão, principal palco do futebol na cidade desde a sua inauguração até os dias atuais (1958-1965). Os indícios apontam para a identificação de três constatações particularmentepontuais: a primeira diz respeitoà relação estabelecida entre estes estádios e a estruturação urbanística/espacial no seu entorno, promovendo e/ou provocando rearranjos quanto à mobilidade urbana, construção de vias de acesso, planejamento viário, melhorias estruturais, etc. Em todos os momentos, esta relação se mostra bastante potente, podendo ser percebido um influxo de organização do espaço da cidade em função da existência dos estádios. Um outro entendimento trata do quanto estes espaços se configuram dentro da lógica da modernidade, atendendo (ou procurando atender) às exigências e demandas de um outro ordenamento social, desde aspectos urbanísticos à espetacularização do fenômeno esportivo e de seu atrelamento à uma crescentedeterminação mercadológica. A ideia de modernidade se configura, portanto, como importante categoria relacional destes estádios com a cidade de Belo Horizonte, estabelecendo, em certa medida, o convencimento legitimador de sua construção. Por fim, a maneira como os estádios em Belo Horizonte são fortemente demarcados pelo contexto político, em todo o decurso temporal do estudo. Do Prado ao Mineirão, a ordem política é determinante para a viabiliazação dos projetos que originam os estádios, desde embates de adversários políticos, privilégios de determinados grupos que detinham o controle do campo esportivo na cidade, e elaboração de uma legislação facilitadora para a implementação destes espaços.
O futebol na cidade de Belo Horizonte: amadorismo e profissionalismo nas décadas de 1930 e 1940
Autora:
Sarah Teixeira Soutto Mayor
Orientador:
Silvio Ricardo da Silva
A presente investigação objetiva analisar a história do futebol em Belo Horizonte, Minas Gerais, entre as décadas de 1930 e 1940, mais precisamente a partir do ano de 1933, momento em que o profissionalismo foi adotado na cidade. Intenta-se verificar como a implantação desse novo regime impactou o cotidiano futebolístico da cidade, por meio da análise de um marco temporal ainda pouco abordado nos estudos históricos sobre o futebol na capital mineira. A década de 1940 recebeu especial protagonismo nesse estudo, a partir da abordagem de características peculiares àquele momento e à própria estrutura da cidade. Como método, foram pesquisados trinta e nove jornais e revistas que circularam no período, editados na cidade de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Buenos Aires (escolha que se balizou pelos próprios diálogos estabelecidos entre os três centros esportivos). Também foram consultados, em menor quantidade, arquivos pessoais e institucionais, além de relatos memorialísticos. A interpretação das fontes foi pautada pela construção de algumas categorias de análise: como amadorismo e profissionalismo; modernidade, tradição, classe, cultura e civilização; e a ideia de campo esportivo e distinção; todas elas atreladas à história da cidade de Belo Horizonte em sua relação com a prática esportiva. Em síntese, pôde-se constatar que o período pósprofissionalismo na capital mineira foi marcado por um cenário de intensos conflitos e mesclas envolvendo significações acerca do amadorismo e do profissionalismo que coexistiram em um plano discursivo que ora valorava a modernidade, ora valorava a tradição. Várias divisões de poder e de legitimidade conformaram campos esportivos distintivos, que após a implantação do profissionalismo, relegaram ao amadorismo um lugar periférico e desqualificado na hierarquia futebolística da cidade (o que contrastava com o crescimento exponencial dos clubes amadores em diversas localidades de Belo Horizonte). Outras questões podem ser elencadas como elementos conclusivos. As promessas do profissionalismo, quando de sua implementação, esbarraram-se em uma realidade concreta que criou novos desafios e novas demandas: problemas estruturais e financeiros dos clubes e a própria estrutura esportiva da cidade são alguns fatores. A efemeridade da profissão e a valorização de um corpo rentável (máquina) foram situações que impactaram mais precisamente os jogadores. Os problemas causados pela continuidade do êxodo dos atletas mineiros (um dos argumentos mais utilizados para a implantação do regime) impactaram diretamente os clubes e as tentativas de se igualar o estado às cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Por fim, a descoberta de novas informações sobre a decisão do América F.C em mudar as cores de seu uniforme contribuiu para repensar o próprio processo de implantação do profissionalismo em Belo Horizonte, além da produção de histórias oficiais e de mitos fundacionais, não somente em relação a este clube, mas em um contexto mais amplo de existência de outros clubes brasileiros.
PEDAGOGIA DO ARMÁRIO: identidade, pertencimento e apropriação do futebol por torcedores homossexuais
Autor:
José Aelson da Silva Júnior
Orientador:
Silvio Ricardo da Silva
Tratar como objeto científico a participação de homens homossexuais na assistência do futebol representa um contraste histórico e cultural que marca um deslocamento sobre a lógica desse esporte como espaço de resistência e manutenção de uma ordem heteronormativa ou, mais que isso, de um modelo de masculinidade esperado e aceito no campo do futebol. As lacunas existentes sobre essa temática justificam a relevância em problematizar o futebol e o torcer como espaços de vivência do lazer, cuja dominação de uma determinada masculinidade é evidenciada e valorizada. Dito isso, aos objetivos do trabalho foram investidas as seguintes questões: (1) como os torcedores gays se apropriam deste espaço; e, a partir da compreensão desse cenário, (2) quais discursos são produzidos por eles sobre a relação homossexualidade, homofobia e futebol. Para isso, dialogamos com autores e autoras cuja produção se insere nos Estudos Culturais, Queer e Feministas, para composição do arcabouço teórico utilizado na compreensão dos conceitos chave, bem como, de trabalhos que têm constituído “um campo” de Estudos sobre Futebol, no Brasil. Esta pesquisa assume uma natureza qualitativa na descrição e análise dos dados e o trabalho de campo fez uso de dois instrumentos de coleta - a observação participante e a entrevista semiestruturada - organizadas em dois momentos. As observações foram orientadas por um roteiro prévio e os registros dos quinze entrevistados foram organizados em quadros temáticos, a fim de que pudéssemos compreender, nas interseções dos discursos, os objetivos definidos, a priori. Entendemos, a partir dos discursos analisados, que nenhum dos informantes está alheio a homofobia nos estádios e na vivência do torcer, ainda que alguns deles não a reconheçam no futebol, atribuindo outros sentidos aos xingamentos e comportamentos ali experimentados. De maneira geral, eles se apropriam desses territórios, produzem e reproduzem comportamentos heterossexistas e homofóbicos de forma semelhante aos demais torcedores, alinhados a uma lógica heteronormativa de torcer. Foi providencial classificá-los, metaforicamente, como torcedores miméticos, ao refletirmos sobre as experiências que eles relataram viver com o futebol e seu clubismo. O termo “mimético” é entendido, aqui, como forma de proteção e defesa num processo de acolhimento e inclusão entre “iguais”, sustentado em referenciais de masculinidades e virilidades típicas dos estádios de futebol, onde o torcedor mimético se assemelha aos demais torcedores movidos por diferentes interesses ligados à vivência dessa prática de lazer.